Sunday, March 27, 2011

O sapato do outro-Parte I

Penso muito em Van Gogh , podem notar que sempre volto a falar dele, gosto do resultado esteticos de seus trabalhos, mas imagino o quanto foi  dificil para as pessoas que estavam a sua volta, aquelas que faziam parte de seu cotidiano.
Sua  depressão, a mente perturbada, inquietações ,sua dificuldade de se relacionar com as pessoas .Sim, ele era  de temperamento dificil , falando de forma bem popular as vezes ele  era uma "mala sem alça", Gauguin que o diga! .
Mas essa "malice sem alça" dele não ofuscou a  sua genialidade .Era sensível  ,e é triste e trágica  a  forma que morreu.
Penso também em pessoas que tive contato , alguns amados malinhas  também, que não suportaram a dor de viver e se mataram.
Dificil imaginarmos o que vai nessas cabeças.
Dificil dimencionar as suas angustias.
Hoje me deparei com o Trending Topics Brasil no Twitter ( uma especie de Ranking dos assuntos mais debatidos no site) com o nome de Cibele Dorsa.
Quem seria essa pessoa? curiosa que sou fui pesquisar para ver do que se tratava . 
Foi alquém como tantos outros  nesse exato momento que não suportou a dor da perda e a solidão e se matou .
Triste fim.

Como diria Caetano Veloso e toda a sua  malemolente filosofia bahiana: " Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é" 

Pensando no "Sapato do outro", como uma metáfora de caminhar os caminhos de vida que as pessoas passam :lugares e caminhos literais  certamente, mas, também os caminhos abstratos, amorosos, espirituais, poéticos ,estéticos , profissionais por onde passamos durante nossa vida que são impressos,gravados,cravados na nossa pessoa,personalidade, temperamento e no nosso modo de ver e viver a vida.Pensar nos sapatos do outro pode nos ajudar a sermos menos  intolerantes.

Vi um tempo atras um trabalho interessantissimo de um artista contemporâneo que nasceu em Bolonha 13/01/ 1958.
Seu nome é Graziano Spinosi, è professor de ensino Contemporâneo de Pesquisa da Arte na Academia de Belas Artes
Ravenna desde 1994.
Vive e trabalha em Santarcangelo di Romagna, na província de Rimini.
Spinosi fez uma série de sapatos maravilhosos que cabem bem na metafora de calçar o "sapato do outro" .Praticante da arte de andar na arte não  satisfeito, se aventurou na Arte imaginaria de andar nos sapatos de outros artistas.
Uma viagem a pé,  passo a  passo nos lugares ,caminhos que  são testemunhas da substância das solas e cabedais dos sapatos desses artistas ...
A idéia ocorreu para Graziano a partir de uma paixão pela fixação das extremidades do corpo e o estar firmemente plantados no chão,assim como o fetiche e a apreciação de um belo par de sandálias nos pés.
Sua "Patocchi" (assim chamados os sapatos por Spinosa) estiveram em exposição em Roma em 26/05 a 10/06/1994 na galeria e dirigido por Francesca Antonini Angelo Savino.
Seu trabalho se caracteria pelo uso de diferentes materiais e Spinosi gosta de trabalhar com materiais do cotidiano, tais como ferro, cobre, papel, palha e ráfia.
Começarei pelos sapatos femininos da exposição : 

Sapatos em Arame Farpado para Artemisia Gentileschi
Pintora barroca do século XVII,que preferia trabalhar com cores fortes . Um par de sandálias em arame farpado que é bem adequado para uma mulher que teve que administrar as dores e o preconceito de uma violencia sexual (foi violentada por Agostino Tassi, um assistente do ateliê do pai,segundo Susan Vreeland, em seu romance sobre a astista),um casamento arranjado de forma conveniente para a familia.Foi humilhada pela sociedade e pela Igreja. Teve que cuidar de sua familai já que o "estrupicio" com quem foi obrigada a casar gastava todo o dinheiro em jogos. Seu trabalho tem muita força a começar pelo colorido e dominio de luz e sombra . Pode ver um exemplo aqui .Ela supera tudo isso ,todo o preconceito e tornou-se a primeira mulher a entrar para a Academia de Arte de Florença. Ela fez seu caminho com força e dignidade. Os fortes e corajosos pés de Artemnisia
Patocche di Artemnisia Gentileschi-Filo spinato, Grandezza naturale-1993
Collezione G. Menin - Venezia

 
Sapatos em  Ferro para Diane Arbus
Mais parecida com uma daquelas Melissinhas que surgiram na década de 70, essa peça foi feita pensando na fotógrafa novaiorquina nascida em 14 de Março de 1923 e suicidou-se em 26 Julho de 1971 . O mote principal de sua fotografia era "o outro lado". Veja aqui alguns de seus trabalhos
Suas lentes focaram e enquadraram pessoas comuns, marginalizadas, diferentes, pessoas que incomodavam ou causavam estranhamento de alguma forma quando presentes: anões, gigantes , travestis,obesos, gêmeos, nudistas, artistas de circo,deficientes fisicos ou pessoas cuja normalidade parece feio ou surreal.Suas fotografias em preto e branco são fortes e marcantes.
Usando luz mais suave do que nas suas fotografia que costumava fazer , no final de sua vida ela fez uma série de fotografias de pessoas com deficiência intelectual, mostrando uma delicada gama de emoções. Arbus considerou estas fotografias como um tema "lírico e terno e bonito"
Sua Biografia foi adaptada para o filme A Pele – Um Retrato Imaginário de Diane Arbus (Steven Shainberg, 2006).
Uma sandália de ferro forjada com linhas tão delicadas e femininas para homenagear os passos de alguém que passou a vida observando as pessoas ,passou a vida congelando momentos através de suas lentes. .
Patocche di Diane Arbus -Ferro, Grandezza naturale-1993 


Sandálias em Ferro-Santa Tereza 
Uma sandália simples para a religiosa  e escritora espanhola, famosa pela reforma que realizou no Carmelo e por suas obras místicas. 
Sofredora e solitária  desde a mais tenra idade Teresa é uma das maiores personalidades da mística católica de todos os tempos e estabeleceu em seu convento a mais estrita clausura e o silêncio quase perpétuo. A comunidade vivia na maior pobreza. As religiosas vestiam hábitos toscos, usavam sandálias em vez de sapatos (por isso foram chamadas "descalças") e eram obrigadas a abstinência perpétua de carne.
Dizem que Santa Teresa de Ávila é considerada um dos maiores gênios que a humanidade já produziu. Escrevia muito e de maneira simples,passou a sua vida quase toda entre 4 paredes mas tinha  muita força persuasiva em  seus argumentos, seu estilo vivo e atraente e seu profundo bom senso.





Santa Teresa
Ferro - Grandezza naturale-2000



 A jornada de um artista ( de todos os seres humanos na verdade) é feita de amor e dor e Spinosi mergulhou nesse mundo para intuir e criar seus sapatos.
Calçar os sapatos do passado.
A Arte torna isso possível.
Aguardem os proximos  sapatos de Spinosi ...



1 comment:

  1. Seguir as marcas de suas digitações é deixar expresso em meu cerebro com conhecimentos riquíssimos.Obrigado por me introduzir em leituras de textos,tão raros.É gratificante adquirir novos conhecimentos.

    Obrigado por escrever tão bem!!!

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